quinta-feira, 17 de março de 2011

FAROESTE CABOCLO II

Por Antônio Jorge Ferreira Melo

Li recentemente sobre um diálogo entre Philip Sheridan, general do exército dos Estados Unidos que comandou uma campanha militar contra os índios, e o Chefe Tosawi, conhecido como Faca de Prata. Buscando mostrar de que lado estaria naquela guerra, o cacique comanche teria dito: “Mim Tosawi. Mim índio bom”, mas o militar teria replicado: “Os únicos índios bons que já vi estavam mortos”.
Mito ou verdade, o certo é que a frase se transformou em “O único índio bom é um índio morto”, e na forma mais lacônica “índio bom: índio morto”. O general mais tarde negou que tenha feito essa afirmação, mas a frase, atravessando a história e o oceano, sendo transmitida de geração a geração, chegou até nós, nos dias atuais, nessa guerra civil não declarada, traduzida e adaptada para: “Bandido bom é bandido morto”.
Em verdade foi lendo o artigo intitulado “Faroeste caboclo” de autoria da minha amiga Jaciara Santos que me flagrei pensando no General Sheridan, no Cacique Tosawi e nesta terra que parece produzir, todos os dias, histórias de faroeste. Tudo culpa da crise institucional em que se viu envolvida a cúpula da segurança pública da Bahia, com a morte de um investigador acusado da prática de extorsão na diligência realizada por policiais civis para efetuar a prisão em flagrante delito do colega suspeito, poucos dias depois da SSP festejar a morte de dez pessoas que integravam uma quadrilha especializada em assaltos a bancos.
Ironia das ironias – em meio à barbarização social do Brasil de nossos dias, onde a tortura e a execução sumária tornaram-se medidas de profilaxia social geralmente aceitas – policiais sendo acusados de assassinato pelo sindicato que os representa por fazerem justamente aquilo que já se tornou uma praxe neste país: matar pessoas más para defender as pessoas boas.
Não sou ingênuo, meus trinta e seis anos de policial militar não me permitem esse privilégio, muito pelo contrário; sei que, infelizmente, atirar para matar, às vezes é absolutamente necessário e, em se tratando de se defender, é plenamente justificado, inclusive por parte dos policiais. Agora, causar mortes é bom? É desejável? É motivo de comemoração?
A força deve ser usada até onde for necessário, nem mais, nem menos, mesmo sabendo perfeitamente que bandidos não têm qualquer piedade com os que colocam na mira de suas armas.
Na realidade, nenhum mal acontece sem o nosso secreto consentimento e, nessa lógica, os governantes, ao escolherem as lideranças das corporações policiais, deixam claro para nós qual será o “modus operandi” das forças de segurança durante o seu mandato.
Tais orientações podem pender para políticas “linha dura”, que desprezam o controle da polícia e agravam a violência policial, ou para políticas de segurança democráticas, que priorizam o controle do uso da força como um elemento da profissionalização da polícia. Carece optar, mas nunca dentro do espírito de que os bandidos não são humanos e por isso não merecem viver.
Radicalismo sindical à parte, necessário se faz recompor a realidade, livrando-a da mera indignação do momento, fornecendo um quadro mais amplo, e com isso permitindo um julgamento mais adequado dos fatos, diante de perguntas não (ou mal) respondidas em torno de ambos os episódios. Crises servem para detectar onde erramos e que precauções devemos tomar para evitar a repetição do erro. Sem isto, continuaremos a escolher as mortes que devem ser choradas e as que devem ser comemoradas.
Eu não consigo soltar fogos para comemorar o desfecho de operações policiais com mortes ou contá-las com o clássico fecho “e todos foram felizes para sempre”, mas, sem hipocrisia, é forçoso reconhecer que se torna cada vez mais difícil não vibrar quando criminosos ou policiais corruptos se dão mal: é tudo que a sociedade mais deseja.
Que Deus conforte os familiares dos mortos e ajude os policiais a equacionar esta complexa questão de matar pessoas más para defender as pessoas boas, pois, no nosso faroeste caboclo, mudam os atores, muda o cenário, mas a regra de funcionamento permanece: bandido bom: bandido morto.
Enfim, acabou o carnaval. Mas mesmo com os meus ouvidos zunindo com a overdose de Axé, em todos esses dias não me saiu da cabeça o clássico batidão carioca que marca a entrada dos filmes de José Padilha e seus roteiros onde o bem e o mal são destacados como polos entre o herói policial contra a banda podre da corporação, agora ampliada para o sistema de segurança pública: “Tropa de elite, osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar você!”