terça-feira, 19 de abril de 2011

Qualificação Técnica em Direito

Com o advento da “Constituição Cidadã”, notamos que a população brasileira, de um modo geral, está mais consciente dos seus direitos e deveres como cidadãos. Notamos ainda que os mecanismos de controle externo das atividades policiais, através de órgãos como o Ministério Público, estão bem mais evidentes e presentes no nosso dia-a-dia. Com isso, a visão externa da PM tem mudado de repressora para protetora, fazendo com que a população sinta-se mais a vontade para criticar ou denunciar atos que julgue impertinentes à ação policial correta.
Nos últimos anos temos visto aumentar consideravelmente o número de pessoas que adentram aos quartéis para queixarem-se de policiais que, na sua visão, tenham cometido algum excesso na prática do seu mister. Vemos que, essas pessoas, independente da classe social, estão bem informadas dos seus direitos e, muitas vezes, ao citá-los, o fazem usando termos próprios da linguagem do Direito.
Estende-se esse entendimento também para ocorrências de trânsito por exemplo, nas quais os cidadãos expõem seus argumentos contraditórios à ação policial, via de regra citando artigos do CTB ou mesmo resoluções, denotando conhecimento jurídico. Não raro observamos até questionamentos sobre a legalidade das ações policiais na área, principalmente ações de abordagem ou busca pessoal, nas quais o PM se vê instado a debater, em bases jurídicas a legitimidade de suas ações.
Paralelo a isso, vemos nos últimos anos uma proliferação muito grande de instituições de ensino superior, que oferecem cursos de graduação na área jurídica, aumentando assim o número de pessoas com o conhecimento das Leis e seus desdobramentos.
Claro que não podemos deixar de lembrar da grande acessibilidade à informação, principalmente através da internet, mas também pelos meios de comunicação de massa, o que possibilita à população o conhecimento em tempo real de fatos ou orientações, aumentando a consciência crítica do público.
Em outra vertente temos o fato de que, ao apresentarmos um conduzido à delegacia, o fazemos a um bacharel em Direito, que ao seu entendimento decide sobre o tipo de qualificação que fará, muitas vezes dando cunho de crime de menor potencial ofensivo a fatos que no nosso entendimento redundariam em flagrantes, gerando em nossos prepostos o descontentamento de ver em liberdade, em curto espaço de tempo, elementos que deveriam estar trancafiados. Todavia resume-se nossa ação ao descontentamento por não nos considerarmos em condições de confrontar a decisão da autoridade, em face de não termos um conhecimento mais aprofundado do assunto, o que gera a insegurança argumentativa. Frise-se que ao expressarmos o termo confrontar não tencionamos fomentar a discórdia institucional, mas, mostrar que podemos debater idéias que nos levem a um denominador comum, desde que estejamos em níveis semelhantes de conhecimento.
Sabemos que nos cursos de formação estão previstas matérias voltadas à preparação jurídica do policial militar, mas, a exigüidade de tempo ou mesmo a pouca qualificação dos instrutores no assunto (principalmente nos núcleos de formação), não permitem o aprofundamento adequado em assunto tão vasto e complexo.
Isto posto, não se pode conceber que o policial militar que atua na área operacional não seja um técnico em ciências jurídicas, pois, corre o risco de, em lhe faltando argumentos, ter de utilizar indevidamente a força para se fazer respeitar em situações simples ou corriqueiras. Assim sendo, propomos, a criação de um curso técnico de Direito, a ser ministrado a todos os policiais militares que atuam na área operacional, em todos os níveis hierárquicos.

quinta-feira, 17 de março de 2011

FAROESTE CABOCLO II

Por Antônio Jorge Ferreira Melo

Li recentemente sobre um diálogo entre Philip Sheridan, general do exército dos Estados Unidos que comandou uma campanha militar contra os índios, e o Chefe Tosawi, conhecido como Faca de Prata. Buscando mostrar de que lado estaria naquela guerra, o cacique comanche teria dito: “Mim Tosawi. Mim índio bom”, mas o militar teria replicado: “Os únicos índios bons que já vi estavam mortos”.
Mito ou verdade, o certo é que a frase se transformou em “O único índio bom é um índio morto”, e na forma mais lacônica “índio bom: índio morto”. O general mais tarde negou que tenha feito essa afirmação, mas a frase, atravessando a história e o oceano, sendo transmitida de geração a geração, chegou até nós, nos dias atuais, nessa guerra civil não declarada, traduzida e adaptada para: “Bandido bom é bandido morto”.
Em verdade foi lendo o artigo intitulado “Faroeste caboclo” de autoria da minha amiga Jaciara Santos que me flagrei pensando no General Sheridan, no Cacique Tosawi e nesta terra que parece produzir, todos os dias, histórias de faroeste. Tudo culpa da crise institucional em que se viu envolvida a cúpula da segurança pública da Bahia, com a morte de um investigador acusado da prática de extorsão na diligência realizada por policiais civis para efetuar a prisão em flagrante delito do colega suspeito, poucos dias depois da SSP festejar a morte de dez pessoas que integravam uma quadrilha especializada em assaltos a bancos.
Ironia das ironias – em meio à barbarização social do Brasil de nossos dias, onde a tortura e a execução sumária tornaram-se medidas de profilaxia social geralmente aceitas – policiais sendo acusados de assassinato pelo sindicato que os representa por fazerem justamente aquilo que já se tornou uma praxe neste país: matar pessoas más para defender as pessoas boas.
Não sou ingênuo, meus trinta e seis anos de policial militar não me permitem esse privilégio, muito pelo contrário; sei que, infelizmente, atirar para matar, às vezes é absolutamente necessário e, em se tratando de se defender, é plenamente justificado, inclusive por parte dos policiais. Agora, causar mortes é bom? É desejável? É motivo de comemoração?
A força deve ser usada até onde for necessário, nem mais, nem menos, mesmo sabendo perfeitamente que bandidos não têm qualquer piedade com os que colocam na mira de suas armas.
Na realidade, nenhum mal acontece sem o nosso secreto consentimento e, nessa lógica, os governantes, ao escolherem as lideranças das corporações policiais, deixam claro para nós qual será o “modus operandi” das forças de segurança durante o seu mandato.
Tais orientações podem pender para políticas “linha dura”, que desprezam o controle da polícia e agravam a violência policial, ou para políticas de segurança democráticas, que priorizam o controle do uso da força como um elemento da profissionalização da polícia. Carece optar, mas nunca dentro do espírito de que os bandidos não são humanos e por isso não merecem viver.
Radicalismo sindical à parte, necessário se faz recompor a realidade, livrando-a da mera indignação do momento, fornecendo um quadro mais amplo, e com isso permitindo um julgamento mais adequado dos fatos, diante de perguntas não (ou mal) respondidas em torno de ambos os episódios. Crises servem para detectar onde erramos e que precauções devemos tomar para evitar a repetição do erro. Sem isto, continuaremos a escolher as mortes que devem ser choradas e as que devem ser comemoradas.
Eu não consigo soltar fogos para comemorar o desfecho de operações policiais com mortes ou contá-las com o clássico fecho “e todos foram felizes para sempre”, mas, sem hipocrisia, é forçoso reconhecer que se torna cada vez mais difícil não vibrar quando criminosos ou policiais corruptos se dão mal: é tudo que a sociedade mais deseja.
Que Deus conforte os familiares dos mortos e ajude os policiais a equacionar esta complexa questão de matar pessoas más para defender as pessoas boas, pois, no nosso faroeste caboclo, mudam os atores, muda o cenário, mas a regra de funcionamento permanece: bandido bom: bandido morto.
Enfim, acabou o carnaval. Mas mesmo com os meus ouvidos zunindo com a overdose de Axé, em todos esses dias não me saiu da cabeça o clássico batidão carioca que marca a entrada dos filmes de José Padilha e seus roteiros onde o bem e o mal são destacados como polos entre o herói policial contra a banda podre da corporação, agora ampliada para o sistema de segurança pública: “Tropa de elite, osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar você!”